segunda-feira, 30 de maio de 2011

Entrevista a um testemunho real, que sofreu um distúrbio alimentar

Entrevista 


Nós somos um grupo de Área de Projecto da Escola Secundária de Alfena e o nosso tema é “Distúrbios Alimentares”. Uma vez que tivemos conhecimento de que sofrera de um distúrbio alimentar, pretendemos expor-lhe algumas questões com o intuito de compreendermos melhor quais os precedentes, comportamentos e consequências deste tipo de distúrbios. Esta entrevista será anónima e poderá apenas responder às questões que entender. 


  1. Que tipo de distúrbio alimentar sofreu? 
    Bulimia. 
2.     Sabe explicar as razões que a levaram a padecer de bulimia? 
A principal razão pela qual comecei a ter comportamentos característicos deste distúrbio foi o que eu sentia relativamente à minha imagem, uma vez que não gostava do meu aspecto. Comecei muito nova, com cerca de 13/14 anos. Sempre quis ser magra porque a sociedade assim me obrigava e, ao princípio, não sabia que os meus comportamentos eram típicos de um distúrbio. Eu ia a uma loja de roupa e não encontrava tamanhos adequados para mim e isto fazia-me sentir muito mal. A sociedade só olha para o exterior, não olha para o interior da pessoa. Tive colegas que tomavam medicamentos e que faziam várias coisas para emagrecer e eu entrei um bocado por esses caminhos. Cheguei a tomar medicamentos que me provocavam grandes diarreias, depois comecei a provocar o vómito, comecei com exercícios físicos exagerados, com várias horas em jejum e por aí fora. Tudo isto durou 20 anos. 

  1. Que tipo de alimentos ingeria nos momentos em que tinha vontade de comer? 

Ingeria essencialmente bolos e muitos pastéis. Fazia refeições completas só com pastéis! Comia 4 ou 6 por refeição. O pão também era algo que eu ingeria com muita frequência: pão com manteiga, com queijo ou com fiambre. 

  1. Como se sentia antes de viver um episódio característico da sua doença? 

Eu sentia por norma uma grande ansiedade, uma falha em mim, uma grande falta de auto-estima. Não gostava de mim e no fundo sentia na comida um conforto, uma amizade.  

  1. Antes de provocar o vómito tinha alguma estratégia específica para o fazer? 
Não, apenas colocava os dedos na boca e vomitava. 



  1. E depois desses episódios como é que se sentia? 
Sentia-me aliviada porque o sentimento de culpa que poderia existir devido ao facto de ter ingerido muitas calorias desaparecia ao induzir o vómito ou ao utilizar um laxante. Eu julgava que estes procedimentos diminuíam as calorias ingeridas. 

7.  Quando descobriu que tinha esse problema? 

Não foi bem uma descoberta, foi mais a aceitação do meu problema. Através de várias pesquisas e leituras que fui fazendo, vi que me identificava bastante com esse tipo de problema.  

8. Quem detectou o problema e como? 

Detectei-o eu quando o assumi ao fim de bastante tempo. Falei com a minha médica assistente, e expus-lhe a situação, descrevendo todos os sintomas que tinha e que se assemelhavam à bulimia e fui encaminhada para uma consulta de distúrbios alimentares.  

9. Que métodos utilizava para enganar as pessoas à sua volta de forma a que estas não reparassem no seu problema? 
É muito fácil um bulímico passar despercebido. Aliás, é mais simples um bulímico enganar os que o rodeiam do que um anorético. O anorético nega-se mesmo a comer, enquanto que um bulímico come e depois é que tem o sentimento de culpa que o “obriga” ir à casa de banho vomitar. Ir à casa de banha durante uma refeição ou após a mesma é das coisas mais banais. 

10.  E como se sentia ao fazê-lo? 

Sentia-me bem! Aliviava a minha culpa. Poderia ficar muitas vezes com um mal-estar gástrico, mas melhorava a minha disposição em geral. 

11.  E tomava algum tipo de medicamento para depois compensar essa indisposição gástrica? 
Não.  

12.  Quando a sua família soube, como reagiu?  

Reagiu muito bem e deu-me todo o apoio de que eu necessitava para enfrentar o problema. 

13.  E os seus amigos também? 

Nunca falei com os meus amigos sobre este assunto. 
14. Conseguiu procurar ajuda sem que ninguém a obrigasse a tal? 
Sim, eu não fui obrigada a nada, eu achei que chegava de sofrer continuamente deste distúrbio e que necessitava de ajuda para mudar. 

15. A ajuda que teve deu-lhe força para ultrapassar o seu problema ou, pelo contrário, fez com que continuasse a ter más atitudes a nível alimentar? 
O auxílio dos profissionais de saúde que eu obtive não foi grande apoio para mim. Eu ia às consultas de distúrbios alimentares no Hospital S. João mas as consultas não eram muito acessíveis pois havia muitos doentes de distúrbios alimentares. Alguns destes que eu conheci já faleceram, pois não conseguiram ultrapassar a doença. Nessas consultas pesavam-me, perguntavam-me o que eu comia e receitavam-me calmantes. E eu não achei que fosse o tratamento mais adequado, preferia ter frequentado psicoterapia, terapia de grupo ou algo do género. 

16. Chegou a fazer acompanhamento psicológico? 
Não. 

17.  Acha que este transtorno alimentar lhe trouxe problemas? Em que sentido? 
Sim, bastantes. Essencialmente a nível de problemas de saúde. Estraguei a minha dentição, devido ao suco gástrico, e por causa de vomitar ainda hoje ando a tratar os dentes. Ganhei uma hérnia no estômago e tive que ser operada. Considero que desperdicei muitos anos de vida. 

18. Chegou a ter problemas de sistema imunitário? 
Sim, ocorreram vários episódios de urgência porque eu tomava diariamente quase 40 gotas de um laxante muito agressivo, que deve ser utilizado apenas em último caso. Só se pode tomar, no máximo, 5 gotas e eu tomava muitas mais e ao longo de vários anos. Por exemplo, se eu comia meio pão, ia à casa de banho e ele ficava completamente líquido. Perdia sódio e potássio e tinha vários problemas nas análises que fazia, estavam sempre fora dos parâmetros normais. O meu sistema imunitário estava sempre fraco. 

19. Essas substâncias que tomava, adquiria-as onde? 
Na farmácia: é venda livre, qualquer pessoa pode comprar. Não ia para a mesma farmácia muitas vezes seguidas para que o farmacêutico não estranhasse.  
20. Dorme as horas suficientes, neste momento? 
De momento durmo, mas não seguidas. Eu tento dormir um pouco durante a tarde porque tenho que me levantar muito cedo mas não me consigo deitar cedo e, por isso, tento sempre compensar entre meia e uma hora de tarde. 

21. Mas este hábito que adquiriu está relacionado com a doença que sofreu? 
Não, é mais para recuperar energias pois perdi muito peso ultimamente. 

22. E no começo do seu problema dormia mais ou menos horas? 
Dormia muitas mais horas uma vez que tinha uma má alimentação e isso fazia-me ficar fraca e sentia necessidade de dormir. Para além disso, dormir ajuda muitas vezes a “disfarçar” a fome e a recuperar forças. 

23. Pratica exercício físico neste momento? E na altura em que sofria de bulimia? 
Neste momento a minha relação com a actividade física é muito boa. Na altura em que sofria de bulimia tinha fases em que praticava bastante desporto, outras em que não.  
24. Neste momento, considera que já faz uma alimentação correcta? Quantas refeições faz por dia? 
Sim, procuro sempre fazer uma alimentação saudável. Faço entre 7 e 8 refeições por dia. Procuro sempre nunca estar mais de duas horas e meia/três horas sem comer.  
25. Já ultrapassou o problema ou ainda continua a manifestar sintomas? 
Eu não sei se está completamente ultrapassado o problema. Geralmente como muito pouco mas muitas vezes ao dia, contudo se comer um bocadinho mais do que o habitual eu tenho necessidade de vomitar. Nestas situações mantenho o mesmo hábito que é meter os dedos à boca e vomitar. Já não uso laxantes nem estou muitas horas em jejum como há uns tempos atrás.  
26. Hoje em dia, ao vomitar, como se sente?  
Não posso dizer que me sinto bem ou mal, é mesmo uma necessidade, pois fico muito mal do estômago. Por exemplo, se eu estiver nervosa não consigo comer, mas se me forçarem a ingerir comida nestas situações eu acabo por vomitar.  
27. Ao longo destes anos em que sofreu de bulimia, foi uma pessoa feliz?  
Eu aparentava ser feliz como qualquer outra pessoa. A imagem que tentava transparecer para os outros era a de que era uma pessoa extremamente feliz. Aliás, toda a gente diz que os obesos são felizes, mas muitas vezes isso é uma máscara que a pessoa utiliza como defesa própria  
28. E neste momento considera-se uma pessoa feliz? 
Completamente não. Por vezes questiono-me se valeu a pena o sacrifício de estabilizar o peso, mas são mais as vezes que me sinto em alta do que em baixa. Fiz várias transformações ao meu corpo, inclusive cirurgias plásticas. Tive uma dieta alimentar controlada, acompanhada e ainda continuo a ser acompanhada e, por isso, emagreci imenso. Fiz várias cirurgias plásticas porque eu pesei 110 kg e neste momento peso 60 kg e ficam peles por todo o lado. Fiz duas abdominoplastias, uma mastoplastia e três lipoaspirações à coxa. Ainda estou a ponderar se vou fazer uma braquioplastia ou não. 
29. E que benefícios lhe trazem essas operações a nível de auto-estima? 
A minha auto-estima sobe! Fico com muitas marcas, nomeadamente cicatrizes, contudo a maior parte não se nota. Ainda assim há estrias que não são possíveis de remover. Neste momento já gosto do meu corpo, é a imagem que tenho, aceito-a e gosto muito! 
30. Relativamente ao problema que teve, acha correcto o que fez à sua vida? 
Não, porque fiz muito mal ao meu corpo. Faltava-me olhar para mim ao espelho e gostar de me ver. Cheguei ao ponto de querer fugir. Depois de ter assumido o problema caí numa depressão profunda e não dormia nem não comia. Tinha o hábito de fugir para a praia e não atendia os telefones nem ao meu marido nem aos meus filhos. Actualmente não tomo medicação nenhuma, contudo não consigo largar o tabaco.